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Obesidade e asma: associação ou epifenômeno?

Obesidad y asma: association or epiphenomenon?

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a associação entre obesidade e asma pela comparação entre idade, gênero, classificação inicial e controle da asma, valores de volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) e fluxo expiratório forçado entre 25 e 75% (FEF25-75%) basais com os índices de massa corpórea (IMC) em adolescentes asmáticos. MÉTODOS: Estudo transversal envolvendo 120 pacientes (1,9 masculino:1 feminino) asmáticos com mediana de idade de 14,1 anos (9 a 20,1 anos), classificados quanto ao controle e gravidade da asma e avaliados pela espirometria utilizando VEF1 e FEF25-75% basais. Esses dados foram descritos pela frequência, médias e desvio padrão ou medianas e variação, sendo analisados pelos testes de ANOVA, teste t não pareado, teste exato de Fisher, Kruskal-Wallis e pela correlação de Pearson, considerando-se significante p<0,05. RESULTADOS: Não houve diferença entre os gêneros em relação à classificação inicial da asma e ao nível de controle. Receberam classificação inicial persistente 91,7% (100 casos), sendo que 106 casos (88,3%) encontravam-se parcial ou totalmente controlados. Não houve diferença estatística entre os pacientes controlados e os demais em relação ao IMC. Não foram encontradas correlações significantes entre zIMC e VEF1 e entre zIMC e FEV25-75%, analisando-se todos os pacientes e apenas pacientes com sobrepeso ou obesos. CONCLUSÕES: Neste estudo, não foi encontrada correlação significante entre sobrepeso/obesidade e asma, utilizando-se parâmetros clínicos, antropométricos e espirométricos.

adolescente; obesidade; sobrepeso; asma; espirometria


OBJETIVO: Evaluar la asociación entre obesidad y asma por la comparación entre edad, género, clasificación inicial y control del asma, valores de volumen espiratorio forzado en el primer segundo (VEF1) y flujo espiratorio forzado entre 25 y 75% basal (FEF25-75%) con los índices de masa corporal (IMC) en adolescentes asmáticos. MÉTODOS: Estudio transversal implicando a 120 pacientes (1,9M:1F) asmáticos con mediana de edad de edad de 14,1 años (9 a 20,1 años), clasificados respecto al control y gravedad del asma, y evaluados por la espirometría utilizando su VEF1 y FEF25-75% basales. Estos datos fueron descriptos por la frecuencia, promedios y desviaciones estándar o medianas y variación y analizados por las pruebas de ANOVA, prueba t no pareada, Prueba exacto de Fisher, Kruskal-Wallis y por la correlación de Pearson considerándose significantes valores de p<0,05. RESULTADOS: No hubo diferencia entre los géneros respecto a la clasificación inicial del asma y el nivel de control. Recibieron clasificación inicial persistente 91,7% (100 casos), siendo que 106 casos (88,3%) estaban parcial o totalmente controlados. No hubo diferencia estadística entre los pacientes controlados y los restantes respecto al IMC. No se encontraron correlaciones significantes entre zIMC y VEF y entre zIMC y FEF25-75% al analizar todos los pacientes y solamente los pacientes con sobrepeso u obesos. CONCLUSIONES: En este estudio, no fue encontrada correlación significante entre sobrepeso/obesidad y asma, utilizándose parámetros clínicos, antropométricos y espirométricos.

adolescente; obesidad; sobrepeso; asma; espirometría


OBJECTIVE: To relate obesity and asthma by comparing gender, age, initial classification of asthma, clinical control, basal forced expiratory volume in one second (FEV1) and forced expiratory flow between 25 and 75% (FEF25-75%) with rates of body mass index (BMI) in asthmatic adolescents. METHODS: Cross-sectional study involving 120 asthmatics patients (1.9 male: 1 female) with a mean age of 14.1 years (9 to 20.1 years of age), classified according to asthma severity and control, and evaluated by spirometry using their basal FEV1 and FEF25-75%. The data were described by frequency, mean and standard deviation or median and range and analyzed by ANOVA, unpaired t test, Fischer's exact test, Kruskal-Wallis and Pearson's correlation, considering significant p<0.05. RESULTS: There was no difference between gender in relation to the initial classification and the level of asthma control; 91.7% (100 cases) received initial classification as persistent and 106 cases (88.3%) were partially or totally controlled. There was no statistical difference between controlled patients and the others in relation to BMI. No significant correlations were found between zBMI and FEV1 and between zBMI and FEF25-75%, analyzing all patients and only patients with overweight or obese. CONCLUSIONS: In this study, no significant correlation was found between overweight/obesity and asthma using clinical, anthropometric and spirometric parameters.

adolescent; obesity; overweight; asthma; spirometry


ARTIGO ORIGINAL

Obesidade e asma: associação ou epifenômeno?

Larissa Smiljanic AndradeI; Andrea Cristina T. B. AraújoI; Tatiana Moraes CauduroI; Letícia Aki WatanabeII; Ana Paula B. M. CastroIII; Cristina Miuki A. JacobIV; Antonio Carlos PastorinoIII

IMédica em regime de complementação especializada em Alergia e Imunologia do Departamento de Pediatria da FMUSP, São Paulo, SP, Brasil

IIMédica Colaboradora da Unidade de Alergia e Imunologia do Departamento de Pediatria da FMUSP, São Paulo, SP, Brasil

IIIDoutor em Ciências pela FMUSP; Assistente da Unidade de Alergia e Imunologia do Departamento de Pediatria da FMUSP, São Paulo, SP, Brasil

IVLivre-Docente pela FMUSP; Professora-Associada e Chefe da Unidade de Alergia e Imunologia do Departamento de Pediatria da FMUSP, São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Antonio Carlos Pastorino Rua Dr. João Batista Soares de Faria, 113, apto 141 – Santana CEP 02403-050 – São Paulo/SP E-mail: acpastorino@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a associação entre obesidade e asma pela comparação entre idade, gênero, classificação inicial e controle da asma, valores de volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) e fluxo expiratório forçado entre 25 e 75% (FEF25–75%) basais com os índices de massa corpórea (IMC) em adolescentes asmáticos.

MÉTODOS: Estudo transversal envolvendo 120 pacientes (1,9 masculino:1 feminino) asmáticos com mediana de idade de 14,1 anos (9 a 20,1 anos), classificados quanto ao controle e gravidade da asma e avaliados pela espirometria utilizando VEF1 e FEF25-75% basais. Esses dados foram descritos pela frequência, médias e desvio padrão ou medianas e variação, sendo analisados pelos testes de ANOVA, teste t não pareado, teste exato de Fisher, Kruskal-Wallis e pela correlação de Pearson, considerando-se significante p<0,05.

RESULTADOS: Não houve diferença entre os gêneros em relação à classificação inicial da asma e ao nível de controle. Receberam classificação inicial persistente 91,7% (100 casos), sendo que 106 casos (88,3%) encontravam-se parcial ou totalmente controlados. Não houve diferença estatística entre os pacientes controlados e os demais em relação ao IMC. Não foram encontradas correlações significantes entre zIMC e VEF1 e entre zIMC e FEV25–75%, analisando-se todos os pacientes e apenas pacientes com sobrepeso ou obesos.

CONCLUSÕES: Neste estudo, não foi encontrada correlação significante entre sobrepeso/obesidade e asma, utilizando-se parâmetros clínicos, antropométricos e espirométricos.

Palavras-chave: adolescente; obesidade; sobrepeso; asma; espirometria.

Introdução

Nos últimos anos, observa-se aumento progressivo da prevalência de obesidade em crianças no Brasil(1-3). Segundo dados do programa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL 2011)(1), a frequência de obesidade em adultos aumentou, passando de 11,4% da população, em 2006, para 15,8% em 2011. Destaca-se também o percentual de brasileiros com sobrepeso de 48,5%. Em relação à faixa etária pediátrica, o número de crianças acima do peso no país cresceu entre 2008 e 2009, de acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nesse curto período, houve aumento do número de obesos em mais de 300% em crianças de cinco a nove anos. Na faixa etária de dez a 19 anos, a frequência de excesso de peso variou, em média, de 10,8% em 2008 para 20% em 2009(2).

A asma é também uma doença prevalente no Brasil(4) e sua associação com a obesidade é alvo de muitos estudos, embora a natureza dessa associação ainda permaneça incerta(5-7). O projeto International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC), em sua fase III, realizou-se em várias cidades brasileiras entre os anos de 2001 e 2005 e mostrou prevalência de asma entre 21–22% em adolescentes de 13 a 14 anos — dados que se assemelham à prevalência em outros países, onde a doença também tem impacto significativo na Saúde Pública(4).

Alguns estudos transversais ou prospectivos realizados em crianças e adultos sustentam a relação entre obesidade e asma(8). Estudos epidemiológicos associam a obesidade ao aumento da incidência e prevalência de asma, a qual é usualmente precedida pela obesidade(9,10) . Entretanto, a associação entre asma e obesidade permanece controversa, e os resultados dos estudos, conflitantes(9,11-13).

O objetivo deste estudo foi avaliar a associação entre idade, gênero, classificação inicial da asma, controle da doença, volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) e fluxo expiratório forçado entre 25 e 75% (FEF25–75%), ambos basais, com valores de índice de massa corpórea (IMC) em adolescentes asmáticos em tratamento habitual da asma.

Método

Trata-se de um estudo transversal, envolvendo 120 pacientes asmáticos de nove a 20,1 anos, acompanhados no Ambulatório de Asma e Rinite da Unidade de Alergia e Imunologia do Instituto da Criança da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Os participantes foram submetidos a avaliação clínica completa, incluindo exame físico geral e específico, com especial atenção para as vias aeríferas superiores e inferiores, além do exame da pele, olhos, aparelho cardiovascular, abdome e medidas de peso, estatura e pressão arterial (PA) e pico de fluxo expiratório (PFE). Verificaram-se adesão ao tratamento, técnica de uso do dispositivo inalatório e classificação quanto à gravidade e controle da asma. Realizou-se, ainda, prova de função pulmonar.

Inicialmente, os pacientes foram classificados quanto à gravidade da asma em intermitente (I), persistente leve (PL), persistente moderado (PM) e persistente grave (PG) e avaliados quanto ao grau de controle da asma, sendo considerados controlados (C), parcialmente controlados (PC) e não controlados (NC), de acordo com critérios estabelecidos pelo estudo Global Iniciative for Asthma (GINA)(14).

Para avaliação do peso, utilizou-se balança do tipo plataforma (Filizolla®, modelo Personal), com display digital e capacidade máxima de 180kg e mínima de 2kg, com resolução em 100g. A criança foi posicionada no centro do equipamento descalça e com o mínimo de roupas, ereta, com os pés juntos e os braços estendidos ao longo do corpo, tendo sido mantida nessa posição até completar a aferição(15). Para avaliar a estatura, utilizou-se estadiômetro (Sanny®) com capacidade de 0,4–2,2m e resolução em milímetros. A criança foi colocada em pé no centro do equipamento, descalça, com a cabeça livre de adereços, ereta, com os braços estendidos ao longo do corpo, a cabeça erguida e olhando para um ponto fixo na altura dos olhos. Certificou-se que os calcanhares, os ombros e as nádegas estavam em contato com o antropômetro e as porções internas dos ossos dos calcanhares estavam se tocando, bem como a parte interna dos joelhos. Os pés unidos foram mantidos em um ângulo reto com as pernas(15). Calculou-se o IMC (razão entre valores de peso e estatura ao quadrado), o qual foi classificado por escore Z de acordo com a curva padrão da Organização Mundial da Saúde (World Health Organization – WHO)(16) de 2007. Utilizou-se o software AnthroPlus, desenvolvido pela WHO(17) em 2009.

O resultado foi utilizado para classificar a obesidade de acordo com as curvas americanas de IMC do National Center for Health Statistics(18), específicas para cada gênero, que consideram como diagnóstico de sobrepeso os percentis entre 85 e 94,9% e como diagnóstico de obesidade os percentis iguais ou acima de 95%; os demais pacientes são agrupados com percentis abaixo de 85%. Os índices de escore Z foram calculados de acordo com o programa da WHO(17). Excluíram-se pacientes com problemas endocrinológicos ou outras doenças sindrômicas que poderiam cursar com obesidade ou sobrepeso.

Os pacientes submeteram-se a espirometria com espirômetro Survey® (W.E. Collins), selecionando-se para análise os seguintes dados espirométricos: VEF1 e FEF 25-75% basais(19,20).

Para análise estatística, descreveram-se os dados em frequência ou média e desvio padrão, sempre que a distribuição fosse normal, de acordo com o teste de Kolmogorov-Smirnov. As variáveis cuja distribuição não apresentaram normalidade, em pelo menos um dos parâmetros analisados (idade, IMC, percentil de IMC (pIMC), escore Z de IMC (zIMC), VEF1, FEF25–75%), foram representadas por suas medianas, com os respectivos valores mínimos e máximos. Para comparar as médias das idades entre os grupos de pacientes distribuídos pelo pIMC, utilizou-se o teste de análise de variância (ANOVA). O teste exato de Fisher foi utilizado para comparar das variáveis nominais gênero, classificação inicial e controle da asma nos dois grupos de pIMC (pIMC<85% e pIMC≥85%). O teste de Kruskal-Wallis (ANOVA não paramétrico) foi utilizado para comparar as medianas das variáveis IMC, pIMC, zIMC, VEF1 e FEF25–75% basais em relação aos valores de pIMC. Avaliaram-se as correlações de Pearson entre zIMC e VEF1 e zIMC e FEF25–75%. Em todas as análises, utilizou-se o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) – versão 13.0. Consideraram-se significantes os valores de p<0,05.

Todos os pacientes receberam gratuitamente a medicação de controle de crise e de manutenção preconizada pelos consensos de asma, mantendo retornos regulares a cada dois meses ou sempre que necessário. Em todos os retornos, eram questionados sobre sintomas, medicação utilizada, idas a pronto-socorro, técnica de aplicação das medicações e adesão ao tratamento.

O presente estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa (CAPPesq) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).

Resultados

Houve predomínio do gênero masculino (65%), sendo a média de idade semelhante em ambos os gêneros (14,5±2,3 anos para o masculino e 14,5±2,6 anos para o feminino; teste t não pareado: p=0,942). Desse modo, pôde-se assumir que as populações apresentaram distribuição normal. Não houve diferença estatística entre a média de idade entre pacientes com pIMC<85% e aqueles com sobrepeso e obesos (pIMC≥85%) (ANOVA; p=0,874) (Tabela 1).

Entre os pacientes analisados, o percentual de sobrepeso foi de 15% (n=18) e de obesos, de 16,7% (n=20), não havendo diferença entre os gêneros com relação aos valores de pIMC (p=0,152) (Tabela 1).

Quanto à classificação inicial da asma, a maioria dos pacientes foi qualificada como persistente, com 81,7% dos casos considerados moderados ou graves (78 PM e 20 PG). Em relação à classificação inicial dos pacientes, não houve diferenças em relação ao pIMC entre I e PL e PM e PG (p=0,448) (Tabela 1).

No momento da coleta dos dados, a asma da maioria dos pacientes encontrava-se controlada (78 casos – 65,0%) ou parcialmente controlada (28 casos – 23,3%). O número reduzido de pacientes NC em cada subgrupo de pIMC (oito casos com pIMC<85%; um caso com pIMC entre 85 e 94,9% e cinco casos com pIMC≥95%) impossibilitou a análise estatística desses pacientes pelo teste do qui-quadrado. Comparando-se os controlados e os demais pacientes agrupados (PC e NC) em relação aos diferentes grupos baseados no pIMC, não se encontrou diferença estatística (p=0,152) (Tabela 1).

Não houve diferença entre os gêneros em relação à classificação inicial da asma (teste do qui-quadrado; p=0,777) e entre o nível de controle da asma (teste do qui-quadrado; p=0,387).

A Tabela 2 mostra as medianas, os valores mínimos e máximos de IMC, o pIMC e o zIMC, além das medianas e dos valores mínimos e máximos de VEF1 e FEF25–75% basais. Houve diferença significante nas medianas de IMC, pIMC e zIMC nos diferentes grupos de pacientes distribuídos pelos pIMC (p<0,0001). Não houve diferença significante entre os valores de VEF1 e FEF25–75% quanto à distribuição entre os grupos de pIMC (p>0,05) (Tabela 2).

Não foram encontradas correlações de Pearson significantes entre zIMC e VEF1 (r=0,113; p=0,236) e entre zIMC e FEF25–75% (r=0,001; p=0,988), considerando-se a totalidade dos casos. Ao se analisarem apenas os pacientes obesos (pIMC≥95%), a correlação entre zIMC e VEF1 tornou-se negativa, mas sem significância estatística (r=-0,284; p=0,226). O mesmo ocorreu para a correlação entre zIMC e FEF25–75% (r=-0,407; p=0,075) (Figuras 1 e 2).



Discussão

A relação entre obesidade e asma associa-se a mudanças fisiológicas secundárias à presença de excesso de peso(21). Em adultos obesos, os valores de VEF1 e capacidade vital forçada (CVF) são frequentemente reduzidos; no entanto, em crianças e adolescentes, esse padrão não é observado, encontrando-se valores semelhantes em obesos e não obesos(22-25). Peters et al, analisando 473 crianças com asma (66% com asma persistente moderada e grave e 28% obesas), não observaram associação da obesidade com a gravidade da asma, com as provas de função, com a qualidade de vida e com a utilização dos serviços de saúde(24).

No presente estudo, não se encontrou correlação significante entre valor de IMC/zIMC e VEF1 e FEF25–75% em crianças e adolescentes asmáticos. Ao se analisarem apenas os pacientes obesos (pIMC≥95%), a correlação entre zIMC e VEF1/FEF25–75% tornou-se negativa, mas sem significância estatística. Em estudo realizado por Rodrigues et al, analisando-se apenas 20 crianças obesas ou com sobrepeso, notou-se melhor correlação entre queda percentual de FEF25–75% com os valores de IMC, após teste de broncoprovocação com exercício, embora esta correlação também não tenha se mostrado significante(26).

Resultado semelhante foi apresentado em estudo realizado por Lopes et al, em 2009, que encontraram valores iniciais de VEF1 similares em asmáticos obesos e não obesos(27). Estudo realizado por Clerisme-Beaty et al(28) também não encontrou associação entre IMC e controle da asma, embora os autores tenham utilizado questionários que avaliaram apenas parâmetros clínicos.

No Brasil, um estudo transversal realizado em 2003 por Cassol et al, com 4.010 adolescentes entre 13 e 14 anos, mostrou associação positiva entre o aumento na prevalência e gravidade dos sintomas de asma e a obesidade(29). Nesse estudo, a confirmação da presença de asma deveu-se às respostas positivas ao questionário do projeto ISAAC, sem confirmação médica de sua presença. Contrariamente, o presente estudo não mostrou associação entre obesidade e gravidade da asma, mesmo com 81,7% dos pacientes classificados inicialmente como portadores de asma moderada ou grave. Tal fato pode ser explicado pela pequena amostra de pacientes classificados como obesos e sobrepeso. Brandão et al, em dois estudos conduzidos em asmáticos participantes de um programa de controle na cidade de Feira de Santana, Bahia, também não encontraram associação entre sobrepeso e obesidade com a gravidade da asma, não ocorrendo maior risco de hospitalização ou maior risco de exacerbações com visita à emergência nesse grupo de asmáticos(30,31).

Chinn et al(32) concluíram que a obesidade aumenta o risco subsequente de asma, sendo essa incidência maior em mulheres do que em homens. No presente estudo, houve predomínio do gênero masculino, sendo a média de idade semelhante em ambos os gêneros. Não houve diferença entre os gêneros em relação à classificação inicial da asma e entre o nível de controle da doença.

A correlação entre obesidade e asma pode ser determinada por fatores genéticos e ambientais. Em obesos, a diminuição da capacidade residual funcional e volume corrente, assim como as alterações hormonais e de citocinas, podem agravar a asma, segundo estudo realizado por Shore em 2007(33). Em recente revisão, Farah e Salome mostraram os possíveis mecanismos da associação entre asma e obesidade e que podem ser decorrentes de comorbidades associadas a esta, como o refluxo gastroesofágico e a apneia obstrutiva do sono — e não propriamente à obesidade(34).

Brenner et al(35) compararam um grupo de 265 adolescentes asmáticos com 482 não asmáticos, na mesma faixa etária, quanto à prevalência de obesidade em asmáticos e gravidade da asma. Os autores concluíram não haver associação entre obesidade e asma moderada/grave em adolescentes afro-americanos. Em estudo italiano, realizado por Vignolo et al(36) com 554 crianças asmáticas e 652 crianças saudáveis, não se observou aumento na prevalência de sobrepeso/obesidade em crianças e adolescentes com asma.

O presente trabalho apresenta limitações relacionadas ao número de pacientes com diagnóstico de obesidade ou sobrepeso, o que dificulta a análise da relação entre asma e obesidade. Por se tratar de estudo transversal, muitos dados que poderiam ter influência nos resultados deixaram de ser analisados separadamente ou em conjunto. Um deles é o estadiamento puberal dos adolescentes, que poderia influenciar as provas de função pulmonar. Outros aspectos como raça, cor, hábito de fumar, menarca precoce e doenças concomitantes também não puderam ser analisados, devido ao desenho do estudo, o que limita a análise multifatorial da asma e da obesidade. Estudos prospectivos, com grande número de pacientes, podem demonstrar o potencial efeito do sobrepeso e da obesidade na instalação da asma, além de sua relação com a maior gravidade e dificuldade de controle. Ao se levar em conta o percentual de sobrepeso e obesidade de determinadas populações que atingem valores próximos a 50%, como vem ocorrendo no Brasil, a chance da presença de asma entre esses pacientes poderia ser considerada um efeito acidental do aumento da prevalência epidêmica da obesidade nas populações.

Em resumo, conforme verificado neste e em outros estudos analisados, a relação entre asma e obesidade continua controversa, não havendo ainda comprovação de que o aumento da prevalência de asma e obesidade estaria associado ou dependeria de fatores externos ambientais ou de outras variáveis endócrinas ainda pouco estudadas.

Recebido em: 15/8/2012

Aprovado em: 12/11/2012

Conflito de interesse: nada a declarar

Instituição: Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), São Paulo, SP, Brasil

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  • Endereço para correspondência:
    Antonio Carlos Pastorino
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      15 Ago 2012
    • Aceito
      12 Nov 2012
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